China e Índia disparam em produção de artigos; Brasil encolhe 10% enquanto perde espaço e motivação no cenário global
A produção científica dos países que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) deu um salto impressionante entre 2000 e 2024. O número de artigos publicados por pesquisadores desses países nas principais revistas científicas do mundo aumentou mais de dez vezes. Mas enquanto potências como China e Índia surfam essa onda de crescimento, o Brasil ameaça ficar para trás perdendo não apenas ritmo, mas relevância no cenário internacional.
Dados compilados pelo professor Odir Dellagostin, da Universidade Federal de Pelotas, a partir da base Scopus, revelam que o Brasil, apesar de ter ultrapassado 90 mil publicações em 2024, viu sua produção científica recuar 10,1% nos últimos três anos. A comparação com os parceiros do bloco é chocante: a Índia cresceu 41%, a China, 20%. Mesmo países fora do Brics, como a Malásia e os Emirados Árabes, avançaram muito acima da média global de 8,3%.
O que explica esse tropeço brasileiro em plena corrida pelo conhecimento?
A ciência perdeu o fôlego e o apoio
Segundo Dellagostin, o descompasso entre o crescimento da pós-graduação e a estagnação do financiamento é um fator estrutural. A política de cortes e a falta de estímulo à pesquisa durante a pandemia quando laboratórios foram fechados e o discurso anticiência ganhou força — cobraram um preço alto. “Há uma desmotivação dos pesquisadores”, afirma o cientista. A retração no número de mestres e doutores formados entre 2022 e 2023 ilustra esse desalento.
Outro ponto estrutural é a falta de uma carreira de pesquisador no país. A maioria dos doutores brasileiros permanece vinculada à academia. Sem alternativas no setor produtivo ou em centros de inovação, muitos abandonam a pesquisa ou saem do país.
Além do ritmo de crescimento, o tipo de parceria científica que o Brasil cultiva também revela um certo anacronismo. Os dados mostram que, apesar de fazer parte do Brics, o país continua priorizando colaborações com os Estados Unidos e Europa. Enquanto isso, China e Índia consolidam um novo eixo de poder científico e geopolítico. Só a China publicou 60% mais artigos que os EUA em 2024, ultrapassando com folga a antiga potência da ciência global.
Dellagostin defende que o Brasil se integre mais profundamente à agenda científica do Brics, sugerindo inclusive a criação de um conselho de pesquisa conjunto, moldado nos moldes do European Research Council.
O Brasil ainda tem uma base científica sólida, instituições respeitadas e um corpo de pesquisadores resiliente. Mas esses ativos estão em risco se não forem acompanhados de políticas públicas consistentes. Valorizar a ciência, investir em estrutura, criar uma carreira de pesquisador e repensar o eixo das parcerias internacionais são passos urgentes. O bonde do Brics ainda está em movimento — mas o Brasil precisa decidir se quer embarcar ou apenas assistir da plataforma.