O antropólogo e professor Eduardo Brondízio, que leciona a disciplina de antropologia ambiental na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e é associado no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), receberá o Prêmio Tyler 2025, um mais importantes na área ambiental, em nível mundial, conhecido como o Nobel do meio ambiente.A honraria será compartilhada com a ecologista argentina Sandra Díaz.
Brondízio realiza pesquisas sobre a Amazônia há 35 anos e atua como uma voz internacional sobre a importância da valorização das comunidades ribeirinhas e dos povos tradicionais na conservação ambiental e nas políticas de sustentabilidade. Díaz e Brondízio são reconhecidos ainda pela sua atuação na promoção de políticas e ações que integrem a justiça socioambiental.
A cerimônia de premiação está marcada para o dia 10 de abril de 2025, em Los Angeles. O brasileiro e a argentina são os primeiros sul-americanos reconhecidos com o prêmio.
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Eduardo Brondízio destaca a importância da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) para a definição de ações concretas para a redução de emissões de gases de efeito estufa. O encontro será realizado em novembro, em Belém.
“As últimas duas COPs não deram o avanço esperado, e os impactos climáticos estão ficando mais aparentes e inegáveis. Internacionalmente, há uma expectativa muito grande nessa COP em poder gerar um acordo mais efetivo para mudar o cenário atual de emissões de gases de efeito estufa, mas, também, de constituir um plano mais amplo para investimentos em adaptações às mudanças climáticas, priorizando as populações mais afetadas”, disse.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Agência Brasil: Professor, quais os aspectos de sua pesquisa que têm maior relação com a premiação recente no Prêmio Tyler?
Eduardo Brondízio: Por um lado, a interação entre desenvolvimento regional, mercados e mudanças ambientais e comunidades rurais na Amazônia, focado em respostas das ações coletivas e locais e como elas influenciam a realidade regional, incluindo a urbanização regional, e, por outro lado, abordo esses temas em nível global – como as mudanças globais afetam a qualidade de vida de sociedades humanas, a contribuição de populações indígenas e rurais para produção de alimentos e a conservação da biodiversidade a urbanização no sul global.
Agência Brasil: Quais os aspectos mais importantes, hoje, desta relação entre comunidades e a Amazônia?
Brondízio: Por exemplo, como as comunidades rurais e indígenas trazem soluções para conciliar conservação e desenvolvimento econômico. Também procuro entender como as pressões de expansão agrícola, urbanização e mudanças ambientais afetam essas populações, e como influenciam as migrações dessas populações rural e indígena para as cidades, como isso transforma as cidades, e a relação entre cidade, pessoas e ambiente.
Agência Brasil: Este ano é importante para essa temática, com discussões como as da COP30, não?
Brondízio: Este ano, a COP30 é um tema catalisador a dois níveis. Global, no sentido de que as últimas duas COPs não deram o avanço esperado, e os impactos climáticos estão ficando mais aparentes e inegáveis. Internacionalmente, há uma expectativa muito grande nessa COP em poder gerar um acordo mais efetivo para mudar o cenário atual de emissões de gases de efeito estufa, mas, também, de constituir um plano mais amplo para investimentos em adaptações às mudanças climáticas, priorizando as populações mais afetadas.
Também é um momento de fragmentação na cooperação internacional, então há expectativa de oferecer um espaço para buscar convergências entre vários setores da sociedade em torno de ações mais concretas. Há um outro nível onde a COP30 já vem tendo um papel catalisador, o da Amazônia e do Brasil. Existe esperança de mobilizar energia, colaborações e financiamento para reverter o quadro de deterioração social e ambiental da região. Os problemas ambientais e sociais da Amazônia oferecem um espelho da situação global onde mudanças climáticas, degradação da biodiversidade e desigualdades sociais se autorreforçam.
Agência Brasil: Por que esse momento é importante para a Amazônia?
Brondízio: A Amazônia, o Brasil e países vizinhos foram palco de avanços importantes nos últimos 30 anos, como a criação de áreas protegidas, demarcação de terras indígenas e criação de áreas de uso sustentável, que englobam, no Brasil, cerca de 45% da região. Esse avanço conseguiu garantir direitos para as comunidades e tem sido fundamental em bloquear, pelo menos parcialmente, a expansão do desmatamento e das queimadas. Um outro avanço importante nesse período foi o da expansão e as inovações da sociobioeconomia, que vêm garantindo ganhos ambientais e a valorização do conhecimento local e da biodiversidade. Essa é uma economia gigante, apesar de invisível, que vem das populações, das florestas e rios da região.
Agência Brasil: E qual o contexto em que esses avanços ocorrem?
Brondízio: Esses grandes avanços vêm acontecendo lado a lado com a transformação da região pela expansão do desmatamento, mineração, infraestrutura e urbanização. Progressivamente, essas transformações estão criando uma sinuca para áreas indígenas e protegidas. Hoje, a expansão desordenada dessas atividades, além da expansão do crime organizado, representa uma ameaça à sustentabilidade desses territórios. As áreas que são protegidas estão sitiadas e viraram “ilhas”. São efetivos para garantir governança ambiental dentro dos seus limites, mas não para impedir os impactos do que vem de fora. É uma prioridade hoje salvaguardar esses territórios e dar condições às comunidades de avançar nos ganhos da sociobioeconomia.
Outro elemento é a urbanização da região, só na Amazônia legal são 770 cidades. Anteriormente desarticuladas e pouco conectadas fisicamente, hoje as conexões interurbanas estão criando uma grade que irá definir a governança ambiental do território pelas próximas décadas. Hoje, as realidades urbana, rural e indígena se entrelaçam na região. Boa parte das áreas urbanas da Amazônia é das mais precárias do Brasil e também está sofrendo com as questões climáticas como seca, inundação e temperaturas extremas com muita intensidade, além de altos níveis de poluição de mercúrio, pesticidas e poluição do ar.
Agência Brasil: Quais as condições destas cidades hoje, principalmente das capitais?
Brondízio: Os dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], de 2022, mostram, por exemplo, que as ocupações subnormais dominam nas principais capitais da Amazônia, chegando a mais de 55% das ocupações em Belém e Manaus. Isso não pode ser esquecido, pois a maior parte da população da Amazônia Brasileira, quase 80%, vive nessas áreas. Além disso, as áreas urbanas têm influência direta nas áreas rurais e indígenas e na saúde da floresta e dos rios da região. A precariedade das áreas urbanas e rurais vem levando a um crescimento acelerado das economias ilegais e do crime organizado na região. Alem da violência urbana na região, alta em relação ao resto do Brasil, cenário que tem colocado uma pressão enorme nas comunidades indígenas e rurais, além de estar aliciando jovens para a economia ilegal e para o crime organizado, ambos cada vez mais próximos do tráfico internacional de drogas.
Agência Brasil: Nesse contexto, qual a importância do surgimento de lideranças jovens na região?
Brondízio: É muito grande. Os avanços na proteção e sociobioeconomia na Amazônia vêm da luta de uma geração de líderes que enfrentou esses desafios dos anos 1970 a 1990, conseguindo oferecer um modelo de governança territorial e alternativas econômicas baseadas na biodiversidade regional. A geração nova precisa carregar essas vitórias para a frente. É muito gratificante ver uma nova geração de jovens indígenas e rurais continuando esses avanços e buscando novas alternativas e narrativas para o futuro da região compatíveis com seus valores culturais, mas também integradas e tendo acesso a serviços e oportunidades para melhorar as condições de vida onde vivem.
A tendência global e nacional nos últimos 50 anos vem sendo de uma diminuição da população rural e indígena muito forte, e isso é resultado de uma série de pressões sociais, econômicas e ambientais. A falta de priorização de investimentos nessas áreas, falta de opções econômicas e de acesso a serviços e oportunidades de educação desincentivam a vitalidade de comunidades rurais e indígenas. Essas condições também levam muitos jovens a serem empregados nas economias ilegais e no crime organizado. Em áreas onde oportunidades estão presentes, a gente vê essas lideranças se engajando nas discussões nacionais e internacionais, tendo protagonismo em acordos nacionais e internacionais de biodiversidade e clima e também trazendo novas visões e resposta para demandas atuais.
Temos visto a constituição de redes de jovens da região. Porém, para manter os jovens em suas comunidades é fundamental assegurar a viabilidade econômica da sociobioeconomia, dar acesso à educação compatível às realidades locais e também acesso às tecnologias de comunicação. Por fim, essa questão passa pela valorização social e cultural do papel dessas comunidades na economia, conservação e enfrentamento dos problemas sociais da região. Aquele jovem que vê a sociedade valorizar as populações da Amazônia e seus papéis no desenvolvimento sustentável regional fica orgulhoso das suas contribuições e digno do seu papel no futuro da região. Precisamos valorizá-los, eles são o futuro da Amazônia.