Um novo estudo publicado na revista científica “Ecology and Evolution” revela que as matas ciliares — florestas que crescem às margens dos igarapés de terra-firme — apresentam mais espécies características da região e uma rica diversidade evolutiva em comparação com áreas de florestas de rios intermediários e dos igapós associados aos rios maiores de água preta. O estudo, desenvolvido no âmbito da Rede Ripária (CNPq), envolveu uma parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e a Universidade Federal do Amapá (Unifap), sob a coordenação do Grupo Mauá (Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas) do Inpa e colaboração com o Instituto Max-Planck de Biogeoquímica (Projeto Inpa/Max-Planck/Alemanha).
Buscando entender as consequências da inundação nas matas ciliares da Amazônia, a equipe de pesquisadores utilizou dados de inventários florísticos e monitoramento hidrológico ao longo do Rio Falsino, na Floresta Nacional do Amapá (Flona Amapá), no estado do Amapá. Com as espécies registradas, os cientistas elaboraram uma matriz de presença e ausência e geraram uma filogenia — estudo que representa a história evolutiva das espécies analisadas — para testar se a história evolutiva das espécies na comunidade é influenciada pela inundação, tanto acima quanto abaixo do solo.
A doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPG-ECO) do Inpa, Sthefanie Gomes, primeira autora do artigo, ressalta que as florestas de terra firme, que cobrem aproximadamente 60% da região amazônica, são de fundamental importância, mas as florestas alagáveis, cobrindo cerca de 30%, da região também abrigam conhecimentos significativos sobre a biodiversidade local. “Com este estudo nós analisamos a estrutura filogenética, ou seja, a diversidade de espécies considerando também as relações de parentesco entre elas, nas comunidades de árvores ao longo dos cursos de água, desde as florestas às margens de pequenos igarapés de terra firme, com alagamento curto, raso e imprevisível, até os igapós de água preta, onde o alagamento é alto, longo e previsível”, explica.
Cerca de 2.500 árvores em rios de diferentes ordens foram analisadas, e concluiu-se que a profundidade do lençol freático, camada de água abaixo da superfície do solo, é crucial para a diversidade evolutiva das árvores amazônicas. Além disso, foi usada uma métrica de endemismo filogenético, que permite estabelecer critérios para priorizar regiões a serem conservadas com base na importância evolutiva, pois aponta as espécies com distribuição restrita nos ambientes analisados.
“É importante mencionar que esses aspectos hidrológicos moldam o ambiente, afetando a diversidade e a adaptação das espécies em resposta às variações na disponibilidade de água. Com as mudanças climáticas alterando os regimes de chuvas e padrões de inundação, há um risco crescente de extinção local de habitats especializados e perda da diversidade genética. Portanto, é essencial conservar e estudar os ecossistemas de áreas úmidas da bacia amazônica, não apenas pela rica diversidade de espécies que abrigam, mas também pelo papel crucial que desempenham na manutenção da biodiversidade em diferentes escalas”, pontua a doutoranda.
A partir disso a equipe observou que em áreas de florestas intermediárias e igapós, onde a profundidade do lençol freático é maior, existe uma distribuição mais aleatória de linhagens, menor riqueza e baixa diversidade filogenética, possivelmente devido às condições ambientais extremas, onde as inundações frequentes limitam a diversificação de espécies.
O objetivo principal do estudo foi analisar se as métricas filogenéticas têm uma relação significativa com variáveis como a altura máxima de inundação, a profundidade máxima do lençol freático e a amplitude máxima de inundação, sendo a soma da altura máxima da inundação e profundidade máxima do lençol freático.
Por que preservar esses espaços?
De acordo com Gomes, na bacia amazônica, a legislação ambiental atual não abrange microbacias, como as dos riachos de terra firme. “Isso chama atenção para a necessidade de outros estudos como este, onde analisamos todo o gradiente, desde essas áreas menores até rios maiores, como os igapós. Apesar das matas ciliares serem áreas de preservação permanente, seus limites têm sido reduzidos ao longo do tempo, afetando as populações e as espécies especialistas que levaram milhões de anos para se adaptar a condições específicas nestes ambientes”, explica.
O estudo ressalta a importância das matas ciliares e marginais aos rios para a saúde dos ecossistemas e das comunidades locais, garantindo a qualidade da água, prevenindo a erosão do solo, regulando o clima e fornecendo habitat para diversas espécies que só ocorrem nessas áreas. Esses resultados são cruciais para a conservação, pois permitem identificar regiões prioritárias, desenvolver estratégias de manejo sustentável, influenciar políticas públicas e aumentar a conscientização sobre a importância dessas florestas, promovendo práticas de proteção e gestão sustentável.
Com informações da Ascom Inpa e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI).