“Brasil não se enxerga no espelho”, diz artista negra Rosana Paulino

Intelectual é expoente da Cátedra Pequena África da FGV
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© Tomaz Silva/Agência Brasil

Com quase 60% da população reconhecida como negra, o Brasil é um país que não se enxerga no espelho e está muito atrasado em discussões sobre a questão racial. O pensamento é da educadora e artista visual negra Rosana Paulino, que coleciona trabalhos de destaque dentro e fora do Brasil ligados ao racismo, posição da mulher negra na sociedade e marcas deixadas pela escravidão.

Para a artista, a educação visual é absolutamente necessária para a emancipação das pessoas. “Se você só vê uma pessoa ou um determinado grupo ocupando determinados postos, só vê esse grupo sendo retratado de maneira negativa, você não precisa falar, você não precisa escrever. Você não precisa ler sobre isso: a imagem já está te condicionando”, diz.

A artista e intelectual que até dois meses atrás fez grande sucesso com a exposição Amefricana, no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba), é uma das titulares da Cátedra Pequena África, lançada este ano pela Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. Ela ministrará o curso livre Arquivo, Memória, Construção Visual e Educação.

Rosana Paulino conversou com a Agência Brasil sobre esse pioneirismo acadêmico que direciona para o “empretecimento” da academia e sobre a obra dela – que tem a indignação e o antirracismo como matérias-primas, além de assuntos alvo de debate contemporâneo, como a relação entre comunidades tradicionais e mitigação de mudanças climáticas.

Confira os principais trechos da entrevista exclusiva:

Agência Brasil: Qual é a proposta desse curso? É uma ressignificação de imagens ligadas à escravidão?
Rosana Paulino: São encontros. Eu pretendo analisar algumas imagens, como essas imagens vão ajudar a criar um local social para essa população negra, e como os artistas contemporâneos brasileiros desse momento estão quebrando esse local simbólico social que foi formado para a população através da imagem.

Agora, não dá para entrar em um assunto tão complicado assim sem entender o que aconteceu antes. Como se forma o local simbólico para uma determinada população. Como se dá o processo de embranquecimento e de apagamento. Mas só dentro da área da imagem, que é o campo em que atuo.

Então não é em relação à escravidão, porque quando a gente vai falar da população negra, a gente sempre pensa na escravidão, mas tem todo um conjunto de criação, tem toda uma ação dessa população negra que não está simplesmente ligada à escravidão, porque se não a gente reduz demais a situação. Reduz o sujeito negro como se fosse somente dependente desse ato da escravidão, e a população negra é muito mais que isso.

Agência Brasil: Você é uma artista e também uma educadora. A arte é uma ferramenta de educação?
Rosana Paulino: Sem dúvida nenhuma! Trabalhei como educadora por 30 anos. Gosto do ofício. Eu só saí da área porque minha agenda não permite mais. A educação, principalmente a educação visual, é absolutamente necessária para a emancipação dos sujeitos. A imagem tem um poder que é muito pouco discutido no Brasil, e é uma coisa que me preocupa muito. Essas discussões que deveriam ter sido postas em cima da mesa para a gente entender como é que você condiciona uma população. Como é que você define locais sociais. A imagem é extremamente poderosa nesse sentido.

Muitas vezes, a gente não precisa falar nada. Mas se você só vê uma pessoa ou um determinado grupo ocupando determinados postos, só vê esse grupo sendo retratado de maneira negativa, você não precisa falar, você não precisa escrever ler sobre isso, a imagem já está te condicionando.

Agência Brasil: O que você espera como resultado dessas conversas, plantar sementes para novas trabalhos de teor antirracista?
Rosana Paulino: Eu quero é isso: colocar o assunto em cima da mesa para que outros venham discutir isso. É algo que tem que ser profundamente discutido em um país onde quase 60% da população já se coloca como negra. É um absurdo que nós não tenhamos discutido isso ainda.

A gente tem que pensar sobre isso: que país nós queremos? O país que nós queremos passa pela construção em uma imagem também. Tudo está para ser feito no Brasil ainda. Por incrível que pareça, em 2024, tudo ainda está para ser discutido nesse sentido no Brasil

Por Agencia Brasil

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