A Deus ninguém jamais viu. Mas o unigênito de Deus, que está na intimidade do pai, ele nos deu a conhecer. Deus que se deu a conhecer. Nós o conhecemos porque nasceu. Nasceu como um de nós. Não, outro de nós. E é por isso que nós, hoje, o contemplamos, admiramos glorificarmos.
Como nos ensinava a segunda leitura da carta aos hebreus, muitas vezes e de muitos modos, falou Deus, outrora aos nossos pais pelos profetas. Mas nesses dias que são os últimos, ele nos falou por meio do filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou todo o universo.
Deus sempre buscou o coração de cada pessoa humana. Buscou o coração de um povo. Sempre se mostrou próximo para com todos, para que pudessem participar do seu cuidado amoroso. Deus sempre se aproximou das pessoas. Falou aos patriarcas, falou pelos profetas e profetizas, falou através da natureza, falou, enviou sinais para que todos pudessem perceber a sua presença cuidadosa, amorosa.
Não satisfeito em estar conosco, com seu povo, no seu amor inefável, afável, encontrou um modo todo próprio de estar no meio de nós. Falar conosco? Tornou-se visível, palpável, audível. Fez-se nossa humanidade e fragilidade.
Hoje, celebramos o dia em que Deus se mostrou. Em que Deus se revelou na nossa humanidade. Não mais na visibilidade de sua presença velada. Mas, na presença revelada no rosto de uma criança, nossa humanidade.
Mas próximo Deus não poderia ser de nós, nasceu por nós, se tornou um de nós. Busca o peito de mãe, os cuidados de um pai e mamãe, nasceu sem casa, apresentou se desnudado aos animais enfaixado, deixou-se ver e tocar pelos pastores. Deixou-se adorar presentear pelos sábios vindos do Oriente.
E devagar vamos vendo como em torno desta criança todo o universo se reúne, porque Deus se mostrou. E nós hoje continuamos admirados e glorificando a Deus pela sua presença na candura, na simplicidade da criança.
Nos dizia a carta aos hebreus, este é o Esplendor da Glória do Pai, (3m31s) a expressão de seu amor. Qual é a expressão do ser de Deus? A sua Glória é ser um de nós.
Deus, nascido de mulher, nascido da carne, da finitude humana. Podemos hoje, na solenidade do nascimento de Jesus, repetir então as palavras: “tu és o meu filho, eu hoje te gerei. Eu serei para ti um pai e ele será para mim um filho”.
Deus gerado Deus, um filho. Tudo porque desejou aproximar-se, ser um de nós para dizer o quanto nos ama e deseja para cada um de nós a Liberdade.
Deus entrou então na nossa história, partilhou o nosso caminho, veio iluminar os nossos dias. Não mais trevas. Agora a luz. Veio dar sentido às nossas dores e sofrimentos. Veio nos dizer que a finitude humana nela está a nossa salvação. Manifestou-se a graça, a compaixão, a misericórdia, a ternura de Deus, e nós a vemos e contemplamos na criança de Belém. O amor, feito nossa humanidade.
É a vida nova, novo horizonte, novo sentido da vida da história, pois Deus entre nós, como um de nós, quase não podemos crer que Deus se tenha feito um de nós como nós, não outro de nós. A sua tenda, a sua morada hoje, somos nós. Ele não assumiu a nossa carne, a nossa humanidade, não veio habitar em nós, como nós. Deus armou a sua tenda. Nós somos a sua tenda.
Sim, Deus nos amou ao extremo de nos dar-se como um filho nosso. Aquele que é o início de toda a criação, aquele que tudo fez, razão de ser de tudo o que existe, agora no meio de nós. Um de nós feito Belém, manjedoura, pobreza, singeleza. Ele, a palavra, o verbo que tudo fez, que é a vida e a luz dos homens. Ele que sustenta todo o universo com o poder da sua palavra, nos purifica dos pecados, nos eleva à dignidade da filiação divina.
A criança que hoje celebramos e que nos alegra e quase nos espanta, foi colocada tanto acima dos anjos quanto o nome que é dado, herdado e supera o nome de todos os anjos. De fato, a qual dos anjos Deus disse alguma vez “tu és o meu filho hoje, te gerei” ou ainda “eu serei para ele, um pai e ele será para mim um filho”? A nenhum dos anjos Deus chamou de filho, mas o filho que ele nos deu o chamou de filho e filho nosso.
Santo Agostinho numa das suas homilias de Natal disse: vejam o criador do ser humano se fez homem para que aquele que governa todo mundo sideral se alimentasse de leite. Para que o pão tivesse fome. Para que a fonte tivesse sede, a luz adormecesse, o caminho se fatigasse na viagem. A verdade fosse acusada por falsos testemunhos, o juiz dos vivos e dos mortos fosse julgado por um juiz mortal, a justiça fosse condenada pelos injustos, a disciplina fosse açoitada com chicotes, o cacho de uva fosse coroado de espinhos, o alicerce fosse pendurado no madeiro para que a virtude se enfraquecessem, saúde fosse ferida e morresse a própria vida.
E ao olharmos e contemplarmos a presença humilde, magnificamente pequena de Deus, em nossa fraqueza, ao vermos que nasceu sem casa, acolhido pela mãe e o pai e os animais, depois os pastores pobres, nos damos conta não apenas da fragilidade assumida feita a carne em Jesus, mas também vemos na criança de Belém a nossa fragilidade. Na criança intuímos a grandeza da nossa humanidade. Deus quis assumir a nossa humanidade.
Na criança de Belém nos damos conta de que Deus se fez pequeno, um de nós para que pudéssemos compreendê-lo, acolhê-lo e amá-lo. Deus se tornou breve em sua palavra. Ele abreviou-a. A palavra anunciada no Evangelho, a palavra eterna que se fez pequena, tão pequena, a ponto de caber numa manjedoura, fez-se menino para que a palavra possa ser compreendida por nós.
Se ele está conosco de modo tão extraordinariamente humilde e próximo, o que nos falta? O que ainda desejamos? O que sonhamos? Então abandonemos os nossos lamentos, as nossas desilusões, as falsas esperanças, pois nova luz se acendeu para nós. Renunciamos as lamúrias, o nosso rosto amuado e fechado. Renunciemos a avidez que nos deixa tantas vezes insatisfeitos.
A pequenez maravilhosa da criança pequenina nos anima. Devolve a ligeireza dos passos, a laboriosidade das mãos, a sintonia do amor para que os pequenos e desprezados neste mundo. Bem poderíamos repetir as palavras de Papa Francisco:
“Jesus não quer vir só às pequenas coisas da nossa vida, mas também a nossa pequenez. ao nosso sentir-nos fracos, frágeis, inadequados, talvez até errados. Irmã e irmão, se, como em Belém, te circunda a escuridão da noite, se em redor notas uma indiferença fria, se as feridas que trazes dentro de ti gritam ‘contas pouco, não vales nada, nunca será amado como queres’, nesta noite – se te sentes isto – tens a resposta de Deus e Ele te diz: Amo-te assim como és. A tua pequenez não me assusta, as tuas fragilidades não me preocupam. Fiz-me pequeno para ti. Para ser o teu Deus, tornei-me teu irmão. Amado irmão, amada irmã, não tenhas medo de mim, mas reencontra em mim a tua grandeza. Estou perto de ti e a única coisa que te peço é isso: confia em mim e dá-me guarida em teu coração”
Assim, amados irmãos e irmãs. Neste dia em que vemos a comunhão entre o céu e a terra, a proximidade amorosa de Deus, a elevação da nossa humanidade à dignidade da filiação divina, deixemos ressoar nesta igreja, nas nossas famílias, nas nossas comunidades, na nossa sociedade, no mundo inteiro, na terra a paz a todos por ele amados. Na terra a paz, amados irmãos e irmãs.
Na criança de Belém nos tornamos todos da mesma carne e do mesmo sangue do mesmo amor. Por que esse ódio? Por que essas guerras? Por que essas agressões? Por que as mortes?
Bem nos ensinava a primeira leitura, como são belos andando sobre os Montes, os pés que anunciam e pregam a paz de quem anuncia o bem e prega a salvação. Reina teu Deus.
Sim, queridos irmãos, queridas irmãs, deixamos que se acendem nosso coração a alegre esperança da paz. Pois todos nós experimentamos a bondade inefável de Deus no filho de Maria, na criança de Belém. Levemos o amor do recém-nascido à luz ao mundo. Apresentemos a toda a humanidade a luminosidade aquecedora de Belém. Para que se apague a tristeza, a indiferença do nosso tempo. Guardemos a singeleza, a candura, a inocência da criança. Para despertar a humanidade para a presença dos pequenos descartados.
Os pastores do nosso tempo recebam anúncios já não mais de anjos, mas do nosso testemunho. Da fé em Deus, que se mostrou humilde e pobre.
Neste dia em que nos encontramos em Belém, rezemos para que nos deixemos encontrar pela paz. A presença do Deus crianças, seja o anúncio de paz para toda a humanidade. Senhor, fazei que resplandeça a vossa luz. A luz, a luminosidade da vossa paz. Sejamos todos os sinais de paz que os Anjos nos anunciaram no nascer de Deus. Amém!