A Graça da Palavra!

Dom Leonardo Ulrich Steiner - Arcebispo de Manaus - Primeiro Cardeal da Amazônia brasileira - EDIÇÃO Nº 2
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Foto- Arquidiocese de Manaus

Ouvir é mais que nosso ouvido; ouvir é a possibilidade de ser todo-ouvido, ser au- diente. Nossos ouvidos são apenas um pequeno sinal do que somos: somos seres que ouvem; toda a nossa pessoa escuta. A nossa pessoa é sacudida pela palavra da agressão; somos silenciados pela palavra do perdão; todo nosso ser exulta pela palavra da bondade, da gratidão. Nossa pessoa se alegra ao escutar a palavra do Evangelho. Nós somos seres que ouvem, no ouvido somos seres da palavra. É a pessoa que ouve e fala, não é a língua ou o ouvido. Por sermos ouvintes recebemos o dom da palavra.

Nós vivemos da palavra, com a palavra, mesmo não tendo palavras. Os mundos, os céus, as alturas, as profundezas, os sonhos, as realidades são colhidas na palavra. Vivemos com a palavra. Existe uma espécie de segredo na Palavra. Ela tem força própria, cria e recria, deixa ser todas as coisas. Ela nem sequer necessita ser pronunciada, pois ela não necessita de sons para ser ouvida.

A palavra é a força de uma presença, uma força salvadora, libertadora. A palavra mãe, pai, filho, Deus, Espírito Santo, Pai, Jesus, Maria, te amo, perdão, são palavras início, que dão início, estão no início. São fundamento de relações que remetem para a profundidade do existir. Evocam o constituir da vida, dos elos, dos sentidos. Perdendo as palavras fundamentais, do início, do princípio, perde-se as raízes, o eixo do existir. São as palavras que deixam habitar céu e terra, divinos e mortais de nossa existência. É a palavra movendo todas as coisas. Palavra é encontro!

“E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós e nós contemplamos a sua glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. A palavra que nos veio ao encontro, diz quanto somos desejados e amados por Deus. O Pai concede a Palavra e enviou a Palavra, o Filho-Palavra, Jesus. “Eis por que, tendo falado outrora a nossos pais muitas vezes e de muitos modos por intermédio dos profetas, nestes últimos tempos nos falastes pelo vosso Filho, pelo vosso Verbo; por ele é que os céus foram criados, e pelo sopro de seus lábios, todo o universo, ”(Guilherme de Saint-Thierry, Tratado sobre a contemplação de Deus). Não falam mais profetas, mas fala o Filho-Palavra. E Jesus, a Palavra do Pai, falou de muitos modos em gestos palavras, curas, olhares, silêncio, prece. Ele a Palavra do Pai no mundo, humanado. A Palavra que, pela morte e ressurreição, transformou todo o universo.

É admirável que a Palavra que o Pai enviou, ouça a palavra. O Evangelista lembra a centralidade da palavra na vida e missão de Jesus de Nazaré: “Naquele tempo, Jesus voltou para a Galileia, …e veio à cidade de Nazaré onde se tinha criado. Conforme o costume, entrou na Sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do Profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou com a unção para anunciar a boa nova aos pobres. … Enrolou o livro, devolveu ao assistente e sentou-se. E começou a falar: ‘Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir’.”

Naquele dia ao desenrolar o livro e proclamar a palavra, soube que o Espírito do Senhor estava sobre ele, que ele era o ungido, o consagrado para anunciar o Reino da verdade e da graça, o Reino da justiça, do amor e da paz. A vocação e a missão de tantas pessoas na história da Igreja nasceram na escuta da Palavra. E a Palavra mais uma vez se fez história, carne, veio habitar entre nós.

Papa Francisco nos diz que a “Palavra possui, em si mesma uma tal potencialidade, que não a podemos prever. O Evangelho fala da semente que, uma vez lançada à terra, cresce por si mesma, inclusive quando o agricultor dorme (cf. Mc 4, 26-29). A Igreja deve aceitar esta liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos escapam, superando as nossas previsões e quebrando os nossos esquemas”. Toda a palavra nasce, desabrocha, dá fruto pela força da Palavra.

A ação da Igreja de exercer o mandato de Jesus de anunciar, de evangelizar, acontece a partir de Jesus Cristo pela força do Espírito. Esse verdadeiro múnus da Igreja, das comunidades, dos batizados e batizadas, se alimenta da e na Palavra de Deus. Todo anúncio, todo testemunho, toda a proclamação, toda a palavra vêm enviada e alimentada pela Palavra que é o Filho de Deus. Toda a palavra nasce, desabrocha, dá fruto pela força da Palavra.

Somos convidados a sentir de novo e cada vez mais a necessidade de ir como a samaritana ao poço, o poço da Palavra de Deus, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva. Devemos readquirir o gosto de nos alimentar diariamente da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos.

Nossa Senhora Imaculada Conceição, rogai por nós! Irmãs, irmãos, Deus abençoe!

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