Mais de noventa espécies de peixes foram descobertas na Amazônia nos últimos dois anos

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Autor: Dalton Nielsen

Um peixe vindo das nuvens que vive em poças d’água, uma arraia com machas que parecem um favo de mel e um peixe em miniatura. Os três curiosos animais estão entre as 93 novas espécies de peixes da Amazônia descritas entre 2014 e 2015. O número foi divulgado pela iniciativa Amazônia Viva, do World Wide Fund for Nature (WWF), em parceria com o Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, em um relatório que reuniu as novas descobertas da ciência na Amazônia entre os dois anos. Essa é a terceira edição do documento.

 

O levantamento foi realizado por especialistas, com base nas publicações científicas com a descrição de novas espécies na Amazônia nos dois anos. Foram verificados os registros no site Worldfish e Fishbase. As mais de 90 novas espécies de peixes descritas somam-se às descobertas anteriores, totalizando quase 500 novas espécies da Amazônia de 1999 até 2015.

Dalton Nielsen, pesquisador do Laboratório de Zoologia da Universidade de Taubaté, participou da descrição de mais de dez espécies de peixes entre os anos de 2014 e 2015.  “Espero que estes trabalhos tragam maior conhecimento da biodiversidade e complexidade dos habitats, ajudando os peixes e os homens a terem dias melhores no futuro com uma convivência mais harmoniosa com o meio ambiente”, revelou o pesquisador.

Ameaças à conservação 

Em sua carreira como pesquisador, Dalton conta que sua primeira descoberta de nova espécie foi em 1986. De acordo com ele, após a descrição das novas espécies dos dois últimos anos, foram elaborados trabalhos de conservação pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mas que ainda não foram aplicados. Dalton ressalta que a atuação de alguns aquaristas obteve resultados positivos. “É a única experiência que obteve algum resultado até hoje. Sendo que algumas espécies já se extinguiram na natureza e só encontramos com estes grupos de aquaristas. Como é o caso de duas: Simpsonichthys zonatus e Hypsolebias marginatus“, disse. O pesquisador afirma que essas duas espécies foram extintas pela implantação da cultura da soja, que afetou as populações.

Entre as ameaças mais comuns aos peixes da Amazônia, estão a agricultura e a pecuária, a construção de hidrelétricas, a expansão urbana, a destruição das florestas e o pouco conhecimento sobre a diversidade de espécies presente em áreas alagadas, revelou o especialista. “As espécies que vivem em área de floresta dependem das sombras das árvores para manter a temperatura, os alimentos e o nível hídrico. Sem as árvores, as poças têm um aumento da temperatura, diminui a quantidade de folhas e frutos que servem como base da cadeia alimentar e há o aumento da evaporação hídrica, diminuindo o tempo de ‘vida’ da poça anual”, comentou.

Sobre a construção de hidrelétricas, o pesquisador afirma que as poças anuais, onde vive grande parte das espécies, são localizadas nas calhas secundárias dos rios. “Quando são construídos os lagos das hidrelétricas, eles atingem a área das poças que ficam submersas para sempre”.

Cortes podem comprometer descobertas

Danielle Pedrociane, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Ecologia e Biologia de Peixes do Instituto Mamirauá, é uma das especialistas que participou do levantamento para o desenvolvimento do relatório. De acordo com ela, a iniciativa traz a público informações importantes, que demonstram que é necessário o engajamento dos pesquisadores para a continuidade na realização desse tipo de estudo e de investimentos financeiros para a realização de pesquisas. “Esse compilado de dois anos mostra o quanto avançamos em termos de número de espécies. Olhando rapidamente estes números, percebi que houve um declínio no número de espécies descritas em 2014. Imagino que estes números estejam associados à crise financeira instaurada no país. Muitas pesquisas devem ter sido cortadas, muitos inventários faunísticos deixados de ser executado por falta de recurso”, disse.

A pesquisadora enfatiza que as descobertas de novas espécies contribuem para a compreensão do padrão de evolução das espécies na área de descoberta, além de oferecer informações sobre o status de conservação das espécies, se estão ameaçadas ou não de extinção. Outro desafio citado por Daniele é um baixo número de pesquisadores especialistas em taxonomia. “É uma área complexa e que poucos se sentem atraídos. São eles que classificam e descrevem as novas espécies. Resultados como esses presentes no relatório mostram o comprometimento dos pesquisadores em apresentar a grande biodiversidade que temos. E fazendo isso, eles nos oferecem ferramentas para pensarmos em futuras ações, principalmente de conservação”, reforçou.

Bárbara Calegari, da PUC Rio Grande do Sul, é outra pesquisadora que descreveu novas espécies nesse período. Bárbara trabalha com na descrição de espécies novas há mais de 10 anos. A pesquisadora ressaltou que a região de distribuição das espécies descritas por ela (Gelanoglanis pan e Tatia melanoleuca) é a bacia do alto rio Tapajós. “Essa é considerada uma área de endemismo de espécies de peixes e, até pouco tempo, era muito pouco conhecida quanto a sua fauna.  A qual está, infelizmente, sob forte influência de barragens hidrelétricas, que podem contribuir negativamente para a conservação destas e de outras espécies”, contou.

“Descrever a biodiversidade brasileira é um grande desafio para todos nós pesquisadores.  Sabe-se que o número de espécies desconhecidas para a ciência é ainda bastante subestimado. A região Amazônica abriga uma rica fauna de peixes e o desafio se torna ainda maior frente às dificuldades em acessar regiões remotas e de difícil acesso. Espero, assim, como todo pesquisador, que nossos esforços e estudos sirvam direta ou indiretamente para a conservação das espécies e preservação do meio ambiente”, disse Bárbara.

Pequeno e endêmico

Descrito em 2014, o pequeno Laimosemion ubim foi encontrado em um igarapé de água preta, com menos de um metro de profundidade, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, localizada no Amazonas. A nova espécie só é conhecida nessa localidade, o que a torna endêmica. Os pesquisadores afirmaram que a família Rivulidae, à qual pertence esse peixe, é a que apresenta maior número de espécies de peixes ameaçados de extinção no Brasil.

A pesquisa que levou à descoberta e descrição da espécie foi realizada em parceria com o Instituto Mamirauá, que atua como unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Desvendando o mistério do peixe das nuvens

Dalton é especialista em um grupo de peixes da família Rivulidae. Um dos peixes recém descoberto, presente no relatório, é Maratecoara gesmonei. Em muitas áreas, esses peixes são apelidados de “peixes das nuvens” pela população local, como se eles caíssem do céu. Isso, porque vivem em poças que só ficam cheias durante a estação chuvosa. Como explicar a existência de um peixe num lugar que esteve seco por tanto tempo?

O pesquisador explica que “o casal se enterra no substrato, a fêmea efetua a desova e a fecundação dos ovos. Quando a poça d’água seca, os peixes morrem, mas os ovos permanecem em um estado de quase ‘parada total’ do metabolismo, chamado diapausa, aguardando o próximo período de chuvas. Quando a chuva volta e enche a poça novamente, os ovos eclodem. Os alevinos possuem pouco tempo para crescerem e se reproduzirem novamente, por isso seu metabolismo é acelerado e em 20 dias já estão maduros para iniciarem a reprodução”.

Ainda há pouco conhecimento científico sobre a família Rivulidae, por isso a importância das descrições, que poderão dar subsídio para a sua conservação. “Estas espécies possuem sua distribuição geográfica restrita e com padrão biogeográfico definido, portanto estas informações auxiliam na projeção onde podemos encontrar novas populações e espécies”, concluiu.

O Maratecoara gesmonei foi encontrado em uma poça temporária na região do médio Rio Xingu, no estado do Pará. Foi a primeira ocorrência do gênero na bacia do rio Xingu. Até então, só havia conhecimento sobre sua ocorrência nos arredores de Altamira, onde está localizada a barragem de Belo Monte. Os pesquisadores afirmam que a barragem é uma forte ameaça a esses e outros animais, por interferir no habitat dessas espécies. Dessa mesma família, uma outra espécie de peixe já foi extinta em Altamira em função da construção da barragem.

 

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